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sábado, 25 de fevereiro de 2012

Tomo II - Capítulo XIV - Sistemas estruturais funiculares (subsistemas de arcos)

Subsistemas de arcos rígidos

Composição de arcos numa catedral gótica
Subsistemas funiculares rígidos compreendem arcos, cúpulas, abóbadas e as chamadas estruturas tencionadas. Seus efeitos são muito importantes para a criação de espaços arquiteturais uma vez que por sua forma propiciam vãos importantes com pouca demanda de material, superiores aos resultados obtidos com sistemas estruturais planos ou lineares. Esta propriedade será apreciada com detalhes neste capítulo.

As estruturas em geral remontam a antiguidade, ainda na pré-história havia alguma tecnologia, ainda que rudimentar, além das cavernas e outras estruturas naturais, meios de alcançar abrigo pela Arquitetura. Neste contexto se podem encontrar as construções com aspectos curvos cujo exemplo pode ser dado pelos iglus dos povos do gelo. Os humanos primitivos buscavam atender a necessidades que iam além da simples defesa expedita contra os elementos climáticos. Para atenderem a outras questões de ordem prática ou social erguiam grandes blocos de pedra, uns sobre outros de forma a criar vãos, como se observa no caso do que se chamou “dólmen”, presentes antes da Antiguidade Clássica, entre povos das Américas, Europa e Oriente cujos exemplos mais característicos podem ser observados em Stone Atinge, na Inglaterra; Tiwanaku e Kalasasaya, na Bolívia; Tichen-Itza, no México; Tical, na Guatemala, etc.

Os arcos sugiram da necessidade de obtenção de vãos livres cada vez maiores, condição limitada no caso dos dolmens ou pórticos e outras estruturas lineares por causa do fenômeno da flexão das peças horizontais apoiadas em pilares ou outros elementos. Os materiais disponíveis que compunham estes elementos, em que pese o fato de serem resistentes à compressão, não tinham o mesmo desempenho em relação às forças normais que imprimiam flexionamento e conseqüente tração às fibras (geralmente) localizadas abaixo dos eixos de simetria destas peças longitudinais. Isto impunha uma proximidade tal aos apoios que impedia a obtenção de vão significativos entre eles, em relação à quantidade de material empregado nas estruturas desse tipo. Os primórdios da civilização não contavam – ainda – com o aço, o cimento Portland e, consequentemente, com o concreto armado, que superou de certa maneira o problema vivido pelos pioneiros das construções.

Os primeiros indícios do uso do arco na Arquitetura se deram na Mesopotâmia, em Bagdá, na Pérsia, e na África Central, estes expressos em cabanas de argila, construções comuns ali até os nossos dias. Mas, com a ascensão dos romanos, adveio a grande evolução tecnológica e emprego maciço doa arcos e seus derivados, a partir da necessidade imperiosa de se vencer maiores vão com máxima economia e praticidade, com os materiais e ferramentas disponíveis, suplantando o que antes, com dolmens e demais estruturas, lineares ou planas, constituíam evidente restrição.

Os romanos, grandes construtores, herdaram dos etruscos conhecimentos que os levaram provavelmente à introdução da técnica do arco em sua arquitetura. Os aquedutos ditos romanos tiveram sua origem entre os mesmos etruscos. Aliás, era uma característica romana o aproveitamento de todo o conhecimento considerado útil das culturas dos povos que conquistavam, dando a isto aperfeiçoamento de desenvolvimento. O arco na construção pode ser considerado como uma das mais significativas descobertas da tecnologia arquitetônica, tornada de ampla aplicação a partir da expansão da cultura latina, que desenvolveu também a aplicação da cúpula e da abóbada.

A partir dos latinos as abóbadas tiveram grande variação por causa das regiões diversas onde foram aplicadas, dentro do Império Romano, principalmente no que tange ao uso de materiais diversos em suas construções: pedra, cerâmica, argila, cal, etc. Roma generalizou a cantaria enquanto Bizâncio empregou a alvenaria de tijolos experimentada em suas cúpulas e abóbadas com revestimentos em mármore e mosaicos. O aprimoramento das cúpulas e abóbadas foi empreendido pelos povos islâmicos a partir da influência dos bizantinos.

O Passo seguinte na História Ocidental, o aperfeiçoamento do arco se deu com as construções das grandes catedrais de estilo gótico, por volta do século XII de nossa era, a exemplo da catedral de São Dionísio (Saint-Dennis), nas proximidades de Paris. A instabilidade lateral dos arcos góticos ensejou a criação do arco ogival e dos chamados arcobotantes, que permitiu às ações de força um melhor encaminhamento ao substrato.

A evolução tecnológica ensejada pela ascensão do arco e seus derivados teve um salto revolucionário no século XIX com a descoberta de novos materiais ou novo aperfeiçoamento de antigos materiais: o vidro plano, a fundição e a forja industrializadas do ferro; o concreto, a partir da invenção do cimento Portland (pelo britânico Joseph Aspem – 1824) e mais tarde da conjugação deste com os aços para compor o concreto armado (século XX) e a argamassa armada.

Subsistemas de arcos rígidos

Cientes de que o problema do pequeno vão era derivado da tração causada pelo fenômeno da flexão, os arquitetos (ou engenheiros?), mesmo utilizando os materiais então disponíveis encontraram literalmente uma forma de eliminar a flexão: alterando a geometria da cumeada do vão, “invertendo a flecha”, “tornando inversa a linha catenária ou funicular” o que significa o mesmo que “criando um arco”.


Pelo fato de os arcos trabalharem praticamente à compressão, sempre quando se tome as cargas permanentes como principais, podem ser constituídos de elementos sobrepostos, resistentes a esse tipo de solicitação axial, tais como as pedras e a alvenaria de cerâmica. Elementos de tração são apenas acessórios aos arcos como as correntes que fazem o papel de combater resultantes de forças horizontais em suas bases, quando não há presença de contrafortes. Quanto à aparência, existe uma miríade de tipos de arcos. Porém, todos são curvos e têm sua concavidade voltada para baixo e devem ser autoportantes, construindo um vão entre seus apoios. Podem ser chamados: abatidos ou rebaixados; abaulado ou ferradura (180º; bizantinos; aviajados (nascem em diferentes níveis); catenários; de meio-ponto, de meia-volta ou semicirculares; elípticos; ogivais (duas curvas tangentes às faces internas dos pés direitos e que interceptam no eixo central, formando vértice); parabólicos; pleno (de meia circunferência), de meio cimbre; policêntricos ou concordantes; sobrelevado (altura maior que o raio); visigodo ( ); etc. Na medida em que se aumenta a curvatura da estrutura em oposição ao diagrama de esforços de momento fletor o feito da flexão tende a ser anulado. As formas ideais devem ser as que anulam os momentos fletores, a inversão em charneira do diagrama catenário de forças. Isto significa Em função do carregamento dos arcos, suas formas poderão ser basicamente as seguintes: “catenária”, equivalente ao carregamento com o peso próprio mais as cargas permanentes; “parabólica” (do 2º grau) quando carregado com as cargas permanentes e outras uniformemente distribuídas; “elípticas”, quando há aumento de carga em direção às extremidades do arco (cargas progressivas e uniformemente variáveis); “triangulares”, quando reflete uma carga puntual (concentrada) no centro; “trapezoidal”, quando existem duas cargas puntuais (concentradas) ao longo da trajetória do arco e, finalmente, “poligonal”, sempre que há cargas puntuais (concentradas) atuantes ao longo do desenvolvimento curvo. Definida a forma, esta permanecerá constante para qualquer dos tipos de carregamento. Porém, como pode haver cargas variáveis (acidentais), isto impossibilitará a construção de um arco que anule totalmente o momento fletor, pois para isto demandaria a constituição de infinitas formas. Portanto, em termos práticos, somente se pode traçar o eixo de arco para cargas permanentes. Sempre que atuem – e atuam – cargas variáveis e acidentais provenientes de sobrecarga mecânica, de eólicas (vento), devidas a variação térmica, recalques ou elevação nos Pontos de apoio, etc., implicarão em alteração no eixo do arco que, consequentemente, sofrerá desvio provocando aparição de momentos fletores e forças cortantes no sistema, além da compressão que é característica mais comum nos arcos. Entretanto, estes esforços de flexão são relativamente pequenos perante a curvatura, favorecendo sua resistência e ensejando sua apropriação para vencer grandes vãos.

Ainda assim, em relação ao arco de compressão que é reflexo do arco funicular (de tração – catenário), apresentará flechas ou corcovas quando submetido a cargas variáveis e acidentais, o que merece atenção e consideração. No caso de sobrecarga concentrada normal, haverá a aparição de uma flecha central e duas corcovas extremas; em caso de resultante de carga eólica lateral haverá uma flecha na face exposta à carga e uma corcova na face oculta; quando houver variação térmica positiva, aparecerá uma corcova; uma carga térmica negativa implicará numa flecha e no caso de uma diferença de recalque ou ereção de apoio ocorrerá como conseqüência uma mudança do eixo da curva induzindo flexão.

O comportamento estrutural do arco vai depender do tipo de carregamento, de forma, das condições de vínculo de seus apoios (se simples, móveis ou engastados, ou a combinação destes tipos dois a dois) e do grau de estaticidade, se isostático ou hiperestático. Para cada situação haverá, pois, uma única forma de eixo funicular capaz de resistir a esforços combinados de compressão, o que é praticamente muito difícil de estabelecer. Devido a este fato se pode auferir que os arcos, na prática, não trabalham somente à compressão, mas preponderantemente a compressão; e que, de fato, a flexão poderá ensejar-lhes momentos fletores e forças cortantes. A flexão somente será nula quando o eixo do arco coincidir com as linhas de pressão equivalente ao reflexo da curva catenária das forças atuantes no sistema. Esta seria a única maneira de algum arco estar sujeito somente à compressão, o que é previsível na prática para a consideração isolada das cargas permanentes (peso próprio da estrutura mais revestimentos e outras eventuais cargas estáticas). Este tipo de carregamento equivale, na maioria dos casos, a mais da metade do carregamento total em estruturas deste tipo, o que significa ampla economia de material mesmo que não se leve em consideração os fatores positivos referentes à própria curvatura dos arcos, que é a relação da altura da flecha e o vão +. No arco pleno, a altura equivale à metade do vão dois⁄; no arco abatido, a altura será sempre menor que o raio, que é metade do vão no arco sobrelevado, a altura será sempre superior ao raio ou à metade do vão . Desse modo se pode concluir que quanto maior for à altura do raio, menor será o empuxo representado pela reação horizontal e quanto menor fora essa altura, maior será a resultante vertical . Da resultante reação I, tangente à curva de origem.

No caso de um arco pleno, sendo a altura equivalente ao raio, a resultante vertical será nula . Quando o ângulo de encontro da curva representativa do eixo do arco tende ao ângulo reto (arco pleno ou de semicircunferência) o valor do empuxo horizontal tenderá a zero . Nestes casos, o arco prescindirá de contrafortes ou tirantes (correntes) para combater o empuxo horizontal. Na medida em que os arcos tendam a comparecer visualmente abatidos, isto é, com alturas cada vez mais inferiores (em geral à metade dos seus vãos), seus comportamentos se aproximarão dos das vigas, elementos tipicamente resistentes à flexão.

Ao se tomar as vigas e os arcos e compará-los se verá que o braço de alavanca entre as fibras mais comprimidas e as que se acham sujeitas a maiores forças de tração será menor do que a altura de um arco. O fato de esta altura ser maior é que faz os efeitos da flexão minguar nos sistemas estruturais arqueados e crescer nas vigas, que são sistemas lineares rígidos apoiados, nos quais se evidenciam mais os momentos fletores e as forças cortantes . Em suma: o fenômeno da flexão acontece no arco por causa de desvio do eixo deste em relação às linhas de forças que o interceptam, causando momento fletor e tendência à deformação do sistema. Retomando, a questão da vinculação dos apoios de um arco ao substrato enseja a classificação desses em isostáticos e hiperestáticos. Verifica-se que somente arcos tri-articulados, isto é, rotulados em cada um dos dois apoios e mais uma rótula central, poderiam ser entendidos como isostáticos. Apenas nestes casos há limitação de três graus de liberdade internamente no sistema, em relação ao plano onde estejam inseridos. Os demais arranjos e combinações de vínculos implicam necessariamente em sistemas estruturais hiperestáticos: abóbadas, cúpulas e selas.

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